Voltemos agora aos artigos acerca do "Socialismo Real". Espero que este pequeno e simples ensaio ajude ao leitor a compreender as bases das mudanças econômicas em Cuba. E também espero que contribua para desmistificar o conto de fadas do "livre mercado" ser instaurado em Cuba, como vem sendo dito por nossa "imparcial" e "não-ideológica" mídia.
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O Socialismo vive em Cuba. |
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Introdução
Ultimamente tem se visto bastante na mídia internacional notícias acerca das “reformas econômicas” cubanas. Fidel teria dito que o sistema econômico socialista estava ultrapassado, o governo está cortando 500 mil empregos e deixando milhares de cidadãos desempregados e, acima de tudo, o governo está planejando adotar “reformas” que tornarão a Ilha capitalista. Quantos de vocês – inclusive ditos marxistas ou de esquerda – acreditaram nestas mensagens? Quantos militantes comunistas ao redor do mundo não chiaram, achando que Cuba estava lançando no lixo as vitórias da Revolução? Que Cuba estava traindo o maior de seus heróis, Ernesto “Che” Guevara?
Devo admitir que por alguns momentos cheguei a ser parte desse grupo. Vi as notícias e pensei: “Pronto, é o fim do socialismo!”, “Fidel está caduco e, assim que morrer, o capitalismo será restaurado.”. É claro que depois de ponderar por alguns minutos acerca destas questões cheguei a óbvia conclusão de que deveria buscar mais informações, já que, desde quando qualquer coisa veiculada pela mídia privada é confiável? Já dizia o velho Lênin: “Os capitalistas chamam liberdade de imprensa a compra desta pelos ricos, servindo-se da riqueza para fabricar e falsificar a opinião pública”.
Mas o fato é que estamos tão embrenhados na sociedade capitalista que às vezes é difícil escapar de seus mecanismos de controle, de suas armadilhas propagandísticas e ideológicas. Somos bombardeados desde pequeno por uma avalanche de informações pró-burguesas, pró-capitalistas, anti-comunistas, pró-imperialistas e anti-populares. Seja na escola, na universidade, em casa, na rua. Os veículos de informação difundem o que é do interesse da classe dominante, não o interesse dos trabalhadores. Portanto, muitas vezes distorcem a realidade, tornando-a alinhada aos interesses ideológicos dos Estados ocidentais.
No caso de Cuba, qual seria este interesse? O mesmo que havia em relação à União Soviética, à República Popular da Albânia, à República Democrática Alemã, etc. “Demonstrar” o fracasso do modelo socialista, da “utopia” marxista e, conseqüentemente, a superioridade indiscutível do deus mercado. Para atingir tais objetivos, a distorção alcançou níveis exorbitantes, com uma manipulação dos dados apresentados pelo governo cubano e também dos lineamentos das “reformas” econômicas. Começando pelo nome “reforma”. É bastante forte e causa a sensação de que as mudanças serão grandes ao ponto de mudar o modelo sócio-econômico-político da Ilha. Na verdade o termo utilizado pelos cubanos é “atualização”. Atualização econômica do modelo planificado socialista. Isto é ou não é muito mais brando do que o que é propagado em terras tupiniquins? Não só mais brando, como também dotado de um sentido completamente diferente, até oposto.
Neste sentido, este pequeno ensaio procurará desmascarar a mídia golpista e apresentar o verdadeiro projeto de atualização econômica de Cuba. Projeto de tremenda importância histórica para a luta dos trabalhadores pela liberdade e pela justiça social. Já que, caso apresente-se funcional, abrirá um novo caminho na luta do comunismo marxista contra a exploração do capital e, certamente, será uma nova experiência revolucionária a ser estudada, aumentando assim, as já numerosas lições históricas que o dito “socialismo real” já deixou para a humanidade.
Um projeto de caráter popular
Imaginem uma situação hipotética agora. Os Estados Unidos estão em crise, a economia está estagnada, o país sofre pela falta de recursos e o povo está ficando cada vez mais pobre. Os bancos estão quebrando e os serviços de saúde e educação, se deteriorando. Então o governo resolve dar um basta a essa crise. Especialistas pensam em novas formas de se dinamizar a economia, então levam a discussão a cada posto de trabalho, ouvindo o que cada trabalhador tem a dizer. Depois criam livretos com todas as propostas econômicas e distribuem em massa para a população, incentivando o diálogo. Após uma série de críticas e sugestões vindas do povo, o projeto finalmente vai ao Congresso para ser votado.
Imaginaram? Não é um belo de um projeto democrático e popular? Mas será que isto poderia acontecer nos Estados Unidos? Obviamente que não. No entanto, é exatamente isto que a “ditadura sanguinária” de Cuba está fazendo.
De acordo com o Partido Comunista, este processo teve início ainda em 2005, quando Fidel Castro fez um discurso acerca dos “problemas internos” que acabariam por sepultar a Revolução. Depois, em 2007, Raúl Castro anunciou que o governo estava analisando possíveis mudanças na economia cubana. Já em 2008, as discussões foram levadas do governo para o “interior de cada setor produtivo e social”, onde coletou-se as opiniões dos trabalhadores. Por fim, criou-se os pequenos livros [1] de 32 páginas com todas as propostas já discutidas e, estes livros, começaram a ser distribuídos para a população no fim de novembro do ano passado. O objetivo é levar o debate para o povo cubano e, depois, para o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, em abril de 2011. [2]
Ainda de acordo com o PC, o documento não está fechado, pois ele recolherá mais uma vez “opiniões e sugestões que serão discutidas e aprovadas pelos delegados ao VI Congresso”.
Tais informações são fundamentais para a compreensão deste projeto de atualização econômica em Cuba, que é imbuído de um caráter totalmente popular.
Espantando o fantasma soviético
A revolucionária República de Cuba foi criada em 1959, após a derrubada do regime ditatorial de Fulgêncio Batista. Pouco tempo depois, os cubanos resolveram seguir o caminho do socialismo. Naquela época, a União Soviética logo tratou de apoiar o regime cubano. Lembremos que em 1959 a política soviética era dominada pelos revisionistas. Portanto, as estruturas econômicas de Cuba tiveram influência do revisionismo, além do fato da economia da Ilha ter se tornado um “apêndice” da soviética, ou seja, não era independente e auto-suficiente, dependendo enormemente da importação do açúcar cubano por parte da URSS.
Este modelo econômico, apesar de problemático, tinha seus pontos positivos. Como, por exemplo, a proteção da Ilha contra o grande capital internacional e propiciar o desenvolvimento dos sistemas de saúde, educação, seguridade social, segurança pública, entre outros. No entanto, suas limitações são enormes. Primeiro porque a dependência econômica de Cuba em relação à União Soviética era absurda, com o colapso soviético, a economia cubana foi completamente destroçada. Segundo, o modelo revisionista era por demais centralizado e distante dos trabalhadores. Uma burocratização tremenda, que privilegiava os técnicos estatais em detrimento das aspirações populares. Sem contar que a burocracia, além de tudo, criava situações absurdas e uma ineficiência terrível. Tudo precisava ser aprovado pelo ministro, desde preços de produtos a salários de trabalhadores. Imaginem o tanto de demanda, agora imaginem a lentidão do processo. Tornou-se insustentável. Por fim, é interessante dizer que a economia revisionista era um misto nada harmônico de planificação com mecanismos de mercado, uma mistura que tornava o plano impreciso e pouco eficiente. [3]
Portanto, as atualizações econômicas vêm para espantar de vez o fantasma soviético que ronda a economia cubana, varrer para o lixo os resquícios do revisionismo, para que então seja possível estabelecer uma economia mais eficiente e mais próxima das aspirações populares, uma economia que fortaleça o caminho revolucionário de Cuba em direção a uma sociedade comunista.
As bases da atualização econômica
A atualização econômica cubana rejeita o modelo capitalista como resposta para seus problemas. De acordo com os lineamientos propostos: “A política econômica na nova etapa corresponderá com o princípio de que só o socialismo é capaz de vencer as dificuldades e preservar as conquistas da Revolução, e que a atualização do modelo econômico primará pela planificação e não pelo mercado”.
Isto não quer dizer que o Estado continuará como o dono de todos os meios de produção, a propriedade privada será restaurada. Para aqueles comunistas que se indignarem com isto e já apontarem os dedos acusadores para os cubanos – “Seus revisionistas!” – cabe dizer que na URSS de Stálin mais de 20% do PIB vinha da propriedade privada. Mas a propriedade privada legal, a pequena propriedade, como, por exemplo, a dos camponeses dos kolkhozes e sovkhozes que podiam possuir animais e um pedaço de terra para produzir e vender, complementando assim seu salário.
A pequena propriedade privada serve, no caso cubano, como um alívio para o Estado. Da maneira que a economia foi constituída em Cuba, o Estado não consegue gerir a economia com eficiência e os gastos são gigantescos, já que se perde muito por falta de produtividade, por desperdício e mesmo pelos efeitos que a falta de recursos causam – como, por exemplo, a perda de poder de compra da população. Além disso, o Estado controla uma série de pequenos serviços como barbearia, táxi, sapateiro e outros tipos de serviços que não faz muito sentido serem mantidos sob a tutela estatal e sob os grandes planos econômicos, já que não tem um caráter público de peso e não são negócios que primam por grande uso de mão-de-obra. No entanto eles pesam nos cofres públicos. E o surgimento da pequena propriedade privada legal certamente aliviará o Estado, liberando mais verbas para setores mais importantes em um país socialista, como a educação e a saúde.
Outra base da atualização econômica é o fim do igualitarismo. O igualitarismo no sentido já discutido neste blog, aquele que iguala salários, iguala tudo [4]. O igualitarismo “burro”. Em contrapartida a ele, será implantando o velho sistema já adotado pelos bolcheviques, de remunerar o trabalhador de acordo com sua produtividade. Quanto mais produtivo, maior o salário. Isto não quer dizer que a igualdade será abolida, todos continuarão sendo realmente iguais perante a lei e iguais em direitos políticos, civis, sociais, econômicos, culturais, etc. De acordo com os linieamientos: “Na política econômica que se propõe está presente que o socialismo é a igualdade de direitos e a igualdade de oportunidade a todos os cidadãos, não o igualitarismo. O trabalho é, por sua vez, um direito e um dever, motivo de realização pessoal para cada cidadão, e deverá ser remunerado conforme sua quantidade e qualidade”.
De modo geral, a nova política econômica cubana pode ser definida como uma economia mista em que o Estado regula a existência dos negócios privados. Mas não chega a ser igual a China, como muitos podem pensar. A China é invadida por grandes corporações estrangeiras e, por lá, o capitalismo se desenvolve a toda força. Em Cuba não, apenas pequenas propriedades privadas serão permitidas, e o povo já conta com várias instituições populares (sindicatos e a Assembléia Popular, por exemplo) para fiscalizar a atividade capitalista de modo que não produza grandes níveis de desigualdade social e para que não haja exploração desmedida sobre os trabalhadores do setor privado. A atualização econômica cubana se aproxima muito mais da NEP de Lênin, não tendo muita semelhança com a situação chinesa.
Conclusão
Este breve artigo buscou sanar algumas das dúvidas mais correntes acerca das atualizações econômicas em Cuba, salientando que o capitalismo não será restaurado como muitos vêm apontando ao longo destes últimos meses. Os direitos sociais, econômicos e políticos dos cidadãos cubanos permanecerão inalterados e mais, esta nova política econômica não foi uma ordem imposta de baixo para cima pela “burocracia” cubana, mas sim, uma política de caráter totalmente popular e democrática, baseada em uma longa discussão (que ainda prossegue neste exato momento) entre técnicos do Estado, trabalhadores e todos os outros setores da sociedade.
Na verdade, todas as propostas presentes nos lineamientos não são nem definitivas e estão sujeitas a modificações por parte dos cidadãos cubanos. Portanto, de maneira alguma estas reformas representam o que a mídia ocidental em geral tem pregado ao longo dos últimos tempos. Porém isto não quer dizer que ela não seja passível de críticas por parte dos militantes comunistas de todo o mundo, a crítica é sempre saudável. Mas quando é construtiva e não apenas ataques infundados baseados no ultra-esquerdismo. Recomendo que cada um dos leitores estude com atenção o proyecto de lineamientos disponível no link logo abaixo e tire suas próprias conclusões.
Hasta la Victoria, siempre!