Aproxima-se o aniversário de 93 anos da Grande Revolução de Outubro. No calendário da antiga Rússia, o marco da Revolução é o dia 25 de Outubro, porém no calendário atual, o dia é 7 de Novembro. Como parte da homenagem a esse grande episódio da história da humanidade, seguirei com a segunda parte das causas do fim da União Soviética, com o intuito de apresentar a versão marxista de seus problemas econômicos internos. Versão esta, que é ignorada por grande parte dos ditos marxistas e pela maioria das pessoas do mundo, que preferem acreditar com todas as suas forças na velha versão liberal de que os mais fortes (ou mais competitivos e individualistas) sobrevivem.
Guerra Fria e a relatividade do conceito de bipolaridade
Bom, o primeiro ponto a ser abordado é: por mais que o mundo no século XX estivesse dividido em dois campos antagônicos, o socialista e o capitalista, eles não eram dois blocos monolíticos e isolados um do outro. O pragmatismo econômico levava a trocas entre os países rivais e, não olhemos apenas para o lado econômico, haviam trocas culturais também. Utilizemos um exemplo bem simples, porém de enormes proporções. Um estudante ocidental em maio de 1968, apesar das restrições e censuras em muitos países, levantou-se junto com milhares de seus companheiros em prol de uma sociedade mais justa e igualitária. O exemplo: Mao Tse-Tung e a República Popular da China. E não se enganem, da mesma maneira que essas ideias penetraram no ocidente, a ideologia liberal conquistou seu espaço no "oriente vermelho" também. Principalmente nos anos 70 e 80 com a grande influência de teóricos como Martin Friedman, que influenciaram variados países que buscavam um maior desenvolvimento econômico. Entre estes países, inclui-se a Polônia "socialista" [1].
Neste sentido, o conceito de bipolaridade se torna um pouco mais complexo do que normalmente se ouve falar. O antagonismo nos discursos muitas vezes não era acompanhado na prática e, o que parecia ser uma disputa aguda entre dois sistemas, estava mais próximo de uma disputa de interesses geopolíticos entre nações imperialistas. O próprio cisma sino-soviético é uma prova disso. Duas grandes nações, supostamente do mesmo bloco, se tornam inimigas mortais de uma hora para outra. Ora, que bipolaridade é essa? Alguns analistas dizem que foi a brilhante diplomacia americana que causou tal separação, enganam-se. Os interesses estratégicos - e predatórios - da União Soviética em relação à China, além dos graves conflitos ideológicos entre os dois Partidos (Partido Comunista da União Soviética e Partido Comunista da China) resultaram em uma separação definitiva entre os dois países.
Ora, mas qual seria o conflito ideológico entre duas nações ditas socialistas? Não seriam as duas grandes nações portadoras do mesmo sistema? Ou seja, planificação central da economia, coletivização das terras, socialização dos meios de produção, etc. A resposta é não. Como eu disse, a bipolaridade é um conceito relativo e, a URSS, à época do cisma com a China, já estava infectada com a ideologia liberal e dominada por uma nova burguesia conhecida como nomenklatura.
O Cisma sino-soviético e a influência burguesa na URSS
Vimos anteriormente que a causa principal do cisma no bloco socialista foi o conflito ideológico entre um Partido claramente marxista (O PCCh) e um com fortes tendências liberais (O PCUS), ao contrário do que se diz sobre a eficiência da diplomacia estadunidense. Mas qual seria a base de tais disputas? Estariam os chineses corretos em sua análise? Estaria a URSS seguindo políticas claramente capitalistas? Comecemos com as palavras do próprio Mao Tsé-Tung:
"[...]O Comitê Central do PCUS apontou em seu relatório ao 19º Congresso do Partido, em Outubro de 1952, que a degeneração e a corrupção haviam aparecido em certas organizações do Partido.
"Os líderes destas organizações haviam as transformado em pequenas comunidades compostas inteiramente de seus próprios companheiros, 'colocando seus interesses de grupo acima dos interesses do Partido e do Estado' (N. A., Aqui Mao cita as palavras do relatório soviético). Alguns executivos de empresas industriais 'esquecem que as empresas que foram confiadas a eles são do Estado, e tentam torná-las parte de seus próprios domínios privados'.
"[...] Desde que Kruschev usurpou a liderança do Partido e do Estado, houve uma mudança fundamental na luta de classes na União Soviética.
"Kruschev conduziu uma série de políticas revisionistas que serviram aos interesses da burguesia, aumentando rapidamente as forças do capitalismo na União Soviética." [2]
Nestes trechos, retirados dos escritos do líder chinês do ano de 1964, é fácil a observação de uma crítica feroz ao regime soviético e de uma clara inconsistência ideológica entre as duas nações. Estas palavras de Mao representam a análise chinesa acerca da URSS, mas ainda fica no ar a questão se ela condiz ou não com a realidade. Vejamos o que economistas soviéticos diziam após a morte de Stálin:
"Estas deficiências na gestão da economia devem ser eliminadas não através da complexificação, do maior detalhamento e centralização da planificação, mas sim através do desenvolvimento da iniciativa e da independência econômica das empresas - Empresas devem possuir iniciativa mais ampla; elas não devem estar presas a uma tutelagem trivial e a métodos burocráticos de planificação central" [3]
Observem o caráter tipicamente liberal deste trecho - independência econômica das empresas em contraponto à planificação socialista. Maior independência para as empresas significa:
1. A desregulação da planificação. À medida que empresas ganham maior independência, elas repassam cada vez menos de seu lucro para o Estado, facilitando a concentração de capital na mão de seus gestores e provocando uma desigualdade de rendimentos e investimentos entre as empresas e ramos econômicos do país.
2. Maior concentração de capital em empresas independentes - a volta da busca pelo lucro. Basicamente se forma uma propriedade privada não-oficial. Já que os gestores passaram a deter mais poder.
3. Uma "planificação" vinda de baixo. As empresas mudam seus planos conforme seus desejos, basicamente inutilizando os planos centrais e criando uma série de mecanismos de mercado como, por exemplo, a flutuação de preços.
A passagem acima citada foi escrita por um economista soviético em 1955, em tempos que Bill Bland definiu como a fase de propaganda das reformas capitalistas na URSS [4].
Subseqüentemente, em Setembro de 1965, veio a fase de implementação de tais reformas. Fase liderada pelo Primeiro-Ministro Alexei Kosygin. Vejamos, em números, o que estas reformas alcançaram em 4 anos em relação a concentração de lucros e, portanto, de capital nas mão de empresas cada vez mais independentes da planificação:
1966: 26%
1967: 29%
1968: 33%
1969: 40% [5]
A porcentagem significa o quanto de lucro uma empresa deteve para si em detrimento do Estado.
Portanto, Mao tinha razão em relação ao aburguesamento da União Soviética. Os revisionistas estavam restaurando o capitalismo em larga escala, sob o pretexto disfarçado de melhorar a eficiência do planejamento central. De fato, como o prosseguimento da história nos mostrou, as reformas minaram a eficiência do planejamento e também não implantaram totalmente uma economia de mercado, causando uma forte estagnação econômica nos anos 70. A então segunda economia do mundo entraria nos anos 80 em uma espiral de decadência.
Influência burguesa e fortalecimento de uma elite
A forte influência do liberalismo na URSS resultou no fortalecimento de uma elite e em uma forte estratificação da sociedade soviética. Isto porque as reformas econômicas revisionistas privilegiavam a alta administração do Estado e do Partido, colocando boa parte dos lucros das empresas diretamente em suas mãos e enfraquecendo o planejamento central. O que significa isso?
Basicamente significa a desmobilização da ditadura do proletariado e a transformação do regime soviético em uma ditadura sobre o proletariado. O planejamento central tinha duas funções primordiais: 1. Distribuir igualmente as riquezas da nação; 2. Fiscalizar as atividades econômicas de toda a União. A distribuição igual das riquezas servia como a argamassa social que unia todos os povos em torno de uma nação, provendo um padrão de vida médio a todos e impedindo a exploração do homem pelo homem, já que eliminava a mais-valia. É o sustentáculo primordial do socialismo e o instrumento básico para a constituição de uma sociedade igualitária e justa. E a fiscalização das atividades econômicas é a ação que permitia a construção deste tipo de economia socializada. Como tudo era planejado e decidido em detalhes, qualquer rublo sequer que fosse desviado da economia era facilmente perceptível pelas autoridades e repreendido com rigor. Portanto o surgimento de uma classe burguesa que concentrasse capitais em suas mãos era uma possibilidade bem remota.
À medida que o planejamento central é dificultado através do já mencionado "planejamento de baixo pra cima" e o controle da economia pelo Gosplan (Ministério do Planejamento) é enfraquecido, abre-se um grande espaço para o enriquecimento ilícito por parte das camadas administrativas do Estado e do Partido. Disto resulta uma nova classe de capitalistas "vermelhos", que passam a investir no mercado negro para aumentarem seus lucros e patrimônios pessoais. Detendo poder político e econômico, esta classe soviética passa a utilizar os mecanismos repressivos do Estado contra o proletariado (vide o Capítulo 8 da obra de Bill Bland, "Liberdade de contratar e demitir"), demolindo a força dos sindicatos e dos trabalhadores através da "flexibilização" dos direitos trabalhistas. Logo, a URSS se transforma em algo muito próximo de um Estado capitalista monopolista, em outras palavras, de uma ditadura sobre o proletariado.
A ditadura sobre o proletariado e a segunda economia
Finalmente chegamos ao ponto crucial deste artigo: a segunda economia ou, em outras palavras, o mercado negro privado na URSS. Keeran & Kenny definem a segunda economia soviética como "atividade econômica para ganho privado, seja legal ou ilegal" [6]. A economia privada persistia na União Soviética de Stálin, porém de forma legal. Um exemplo usual é o da agricultura, em que era permitido aos camponeses soviéticos possuírem uma pequena parte de terra para cultivar suas próprias plantas e criar seus próprios animais, como uma forma de complementação aos seus salários nas fazendas coletivas e/ou estatais. Calcula-se que em 1950, 22% do PIB da URSS vinha deste tipo de economia privada legal [7]. Já os tipos ilegais eram fortemente proibidos e coibidos pelo Estado, não representando problema sério ao socialismo. Dentre os tipos ilegais encontram-se práticas como utilizar dinheiro público para a construção de dachas, vender bens públicos a terceiros, alugar casas, vender combustível de carros pertencentes ao Estado, entre outros tipos de corrupção e desvio de bens do povo.
No entanto, a partir da morte de Stálin e do golpe revisionista, este mercado negro começou a crescer exponencialmente, resultando, no fim dos anos 70, em taxas que beiram os 35% da economia soviética [8], segundo especialistas na área como Gregory Grossman.
Neste sentido, podemos observar que a formação de uma nova classe burguesa fomentou o crescimento do mercado negro, o mercado capitalista. Quanto mais dinheiro era movimentado ilegalmente, mais a nomenklatura enriquecia, mais forte se tornava a economia de mercado e mais bizarro e irreal tornava-se o planejamento central socialista. Além disso, essa base capitalista clandestina da economia soviética fomentava as ideologias liberais no seio do país, já que a estrutura de produção material de uma nação influi tremendamente no pensamento, na ideologia e na cultura desta. Em outras palavras, criou-se as bases econômicas e sociais do capitalismo.
Os êxitos da planificação socialista
Como um contraponto ao fracasso econômico revisionista, é importante frisar os êxitos da economia socialista. Desde a introdução dos Planos Qüinqüenais, a URSS cresceu a taxas nunca antes vistas na história da humanidade, saindo de uma economia atrasada e semi-feudal e alcançando o posto de segunda economia do mundo em menos de 30 anos. Como exemplo, citarei alguns dados relativos à época:
*De 1930 a 1940, o crescimento médio da produção industrial foi de 16, 5% ao ano. [9]
*Crescimento industrial comparado entre 4 países, de 1919 a 1939:
Alemanha: —24.6%
Grã-Bretanha: —14.8%
EUA: +10.2%
URSS: +291.9% [10]
*Crescimento do capital fixo industrial, tomando como 100 o índice de 1913: 136 (1928) e 1085 (1940) [11]
*Crescimento do capital fixo agrícola, tomando como 100 o índice de 1913: 141 (1928) e 333 (1940) [12]
*Índice de incremento da produção industrial bruta de 1936 a 1938: crescimento de 88%. Sendo o aumento nas indústrias de bens de capital de 107% e, o nas indústrias de bens de consumo, de 66%[13]
Ao observar os dados, é impressionante o quanto que a URSS se desenvolvia economicamente. As proporções não são nem comparáveis aos dos países capitalistas de tão superiores. A planificação socialista fez o que as potências ocidentais demoraram 300 anos para fazer, em menos de 30. Fazendo a União Soviética, um país recém-formado, ultrapassar países já desenvolvidos como a Alemanha, a Inglaterra, a França, o Japão. Apenas os Estados Unidos se mantiveram na frente do Urso Vermelho. E o posto de segunda economia do mundo só foi retirado quando do colapso do país, em 1991.
Portanto, não se pode deixar de lado a planificação socialista, alegando seu suposto fracasso e entoando aos quatro cantos do mundo a superioridade da economia de mercado. Pois os sucessos soviéticos durante o tempo em que o planejamento dominou a política econômica são gigantescos, sendo dificilmente ultrapassáveis por qualquer economia capitalista. Como vimos, a introdução de mecanismos de mercado e o fortalecimento do mercado negro é que foram as principais causas da estagnação econômica da URSS.
Conclusão
Durante a Guerra Fria, as trocas culturais entre as nações do mundo não cessaram completamente e muito da propaganda e da ideologia burguesa penetrou em regimes socialistas. A União Soviética sofreu inclusive uma mudança radical após a morte de Stálin e o golpe revisionista de Kruschev contra as lideranças marxistas-leninistas restantes. Esta mudança, como já vimos, resultou em uma série de reformas que restauraram certos mecanismos da economia de mercado, dificultando o funcionamento no planejamento central. Tais reformas privilegiaram a alta cúpula da administração estatal, o que acabou por formar uma nova e poderosa elite capitalista, fomentando a existência de um mercado negro na URSS e a constituição de uma ditadura sobre o proletariado.
Esta debilitação da economia socialista acabou por criar uma estagnação terrível na União Soviética, que resultou em uma brusca queda do padrão de vida da população, uma grande concentração de renda na mão de poucos e na explosão de todo o tipo de atividade ilegal, incluindo o crime organizado - a temida máfia russa. Tudo isto foi feito com o consentimento do Partido, seja através da corrupção, seja através da má índole dos líderes. Fez-se vista grossa ao assunto, já que quase não se discutia a segunda economia na URSS, e manteve-se uma aparência de socialismo.
As reformas econômicas revisionistas foram apresentadas como medidas para o aumento da eficiência da planificação central e as atividades ilícitas varridas para debaixo do tapete.
Portanto formalmente a URSS permaneceu como uma economia socialista centralmente planificada até a perestroika de Gorbachev, mas na realidade, era um misto nenhum pouco harmônico de economia capitalista e socialista. Os problemas econômicos derivavam, em grande parte, da corrupção, do mercado negro e da confusão gerada na planificação quando da introdução da busca pelo lucro, da independência das empresas em relação ao Estado, da flutuação de preços, etc. O que Gorbachev fez, na verdade, foi legalizar boa parte do mercado negro capitalista e dissolver de vez os últimos resquícios da economia socialista, para assim beneficiar a nomenklatura e reestruturar a economia em frangalhos da URSS.
Concluo que as deficiências econômicas internas da União Soviética estavam mais ligadas às reformas capitalistas instauradas de maneira estabanada e pouco harmônica do que ao sistema socialista de planificação central. Até porque, pelos dados econômicos disponíveis, a URSS crescia vertiginosamente enquanto o regime marxista-leninista existia. Neste sentido, as causas econômicas internas do fim da União Soviética estão relacionadas à traição aos princípios socialistas, e não à sua aplicação coerente.
[1] Keeran & Kenny, Socialism Betrayed - Behind the Collapse of the Soviet Union, p. 51
[2] Mao Tsé-Tung, On Kruschov's Phoney Communism and its Historical Lessons for the World. N.A., trecho traduzido pelo próprio autor.
[3] E.G. Liberman: "Cost Accounting and Material Encouragement of Industrial Personnel", in: "Voprosy Ekonomiki" (Problems of Economics), No 6, 1955, in: M.E. Sharpe (Ed.): op. cit., Volume 1; p.7; citado em: Restauration of Capitalism in the USSR, de Bill Bland.
[4] Bill Bland, Restauration of Capitalism in the USSR, Chapter 1.
[5] ibid., Chapter 15.
[6] Keeran & Kenny, Socialism Betrayed - Behind the Collapse of the Soviet Union, p. 52
[7] Keeran & Kenny, Socialism Betrayed - Behind the Collapse of the Soviet Union, p. 55
[8] Keeran & Kenny, Socialism Betrayed - Behind the Collapse of the Soviet Union, p. 60
[9] Ludo Martens, Stálin - Um Novo Olhar, p. 73
[10] Bill Bland, Stalinism, palestra dada para Academia Sarat, em Londres. Dados de fontes ocidentais citadas no 17º Congresso do Partido Comunista de Toda a União (Bolchevique)
[11] Harpal Brar, Trotskismo x Leninismo - Lições da História, p.133
[12] Idem
[13] Hiroaki Kuromiya, Stalin's Industrial Revolution, p. 287
domingo, 31 de outubro de 2010
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Um novo olhar sobre a rendição do Japão
Segue um artigo traduzido do inglês por mim, falando sobre a relevância da União Soviética em forçar a rendição do Japão militarista na Segunda Guerra Mundial.
Historiadores repensam papel chave dos soviéticos na derrota do Japão
Fonte: http://www.insidebayarea.com/nation-world/ci_15779612
Enquanto os Estados Unidos lançavam suas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki em Agosto de 1945, 1.6 milhões de soviéticos lançaram-se em um ataque surpresa contra o exército japonês que ocupava a Ásia oriental. Em alguns dias, o exército de um milhão de homens do Imperador Hiroshito havia desmoronado.
Fora uma virada importantíssima no campo de batalha do Pacífico da Segunda Guerra Mundial, todavia ela seria largamente eclipsada nos livros de história pelas bombas lançadas na mesma semana em Hiroshima e Nagasaki, 65 anos atrás. Porém recentemente alguns historiadores argumentaram que a ação soviética foi tão efetiva – ou possivelmente mais efetiva – que as bombas-A em terminar a guerra.
Agora uma nova história escrita por um professor da Universidade da Califórina busca reforçar este ponto de vista, argumentando que o medo da invasão soviética persuadiu os japoneses a optarem pela rendição aos americanos, os quais eles acreditavam que os tratariam mais generosamente que os soviéticos.
Forças japonesas no noroeste da Ásia combateram os russos pela primeira vez em 1939, quando o exército japonês tentou invadir a Mongólia. A derrota desastrosa na batalha de Khalkin Gol induziu Tóquio a assinar um pacto de neutralidade que manteve a URSS fora da guerra do Pacífico.
Tóquio mudou seu foco para o confronto com tropas americanas, britânicas e holandesas, o que levou ao ataque de Pearl Harbor em 7 de Dezembro de 1941.
Porém após a rendição da Alemanha em 8 de Maio de 1945, e ao sofrer uma série de derrotas nas Filipinas, em Okinawa e em Iwo Jima, o Japão voltou-se à Moscou para mediar um fim para a guerra do Pacífico.
No entanto, o líder soviético Josif Stálin já havia prometido secretamente à Washington e Londres que ele atacaria o Japão após três meses da derrota alemã. Portanto ele ignorou os pedidos de Tóquio, mobilizando mais de um milhão de tropas nas fronteiras da Manchúria.
A Operação Tempestade de Agosto foi iniciada em 9 de Agosto de 1945, enquanto a bomba de Nagasaki era lançada. Ela tirou a vida de 84.000 soldados japoneses e 12.000 soviéticos em duas semanas de combate. Os soviéticos chegaram a apenas 50km da ilha principal do norte do Japão, Hokkaido.
“A entrada dos soviéticos na guerra foi muito mais importante que as bombas atômicas em induzir o Japão à rendição, porque acabou com qualquer esperança do Japão em terminar a guerra através da mediação de Moscou,” disse Tsuyoshi Hasegawa, que em sua obra recentemente publicada “Racing the Enemy”, examina a conclusão da guerra do Pacífico baseado em arquivos soviéticos recentemente liberados, além dos documentos japoneses e americanos.
“O imperador e a facção da paz (dentro do governo) aceleraram o fim da guerra esperando que os americanos lidariam com o Japão mais generosamente que os soviéticos,” disse Hasegawa, um acadêmico americano que fala russo, em uma entrevista.
Apesar do número de mortos pelas bombas atômicas – 140.000 em Hiroshima e 80.000 em Nagasaki, o Comando Militar Imperial acreditava que poderia segurar uma invasão Aliada se mantivesse o controle sobre a Manchúria e a Coréia, locais que proviam os japoneses com recursos para guerra, de acordo com Hasegawa e Terry Charman, um historiador da Segunda Guerra Mundial no Museu Imperial da Guerra, em Londres.
“O ataque soviético mudou tudo isso,” disse Charman. “A liderança em Tóquio percebeu que não havia mais esperanças, e, neste sentido, a Tempestade de Agosto teve um efeito muito maior na decisão do Japão em se render do que os ataques nucleares.”
Nos EUA, os ataques nucleares ainda são vistos como uma decisão de última instância contra um inimigo que parecia determinado a lutar até a morte. O presidente Harry S. Truman e os líderes militares dos EUA acreditavam que uma invasão ao Japão custaria a vida de centenas de milhares de soldados americanos.
O historiador americano Richard B. Frank argumentou que por mais terrível que os ataques nucleares sejam, eles salvaram a vida de milhares de soldados americanos e de milhões de combatentes e civis japoneses que teriam morrido se o conflito continuasse até 1946.
“Nas famosas palavras do Secretário de Guerra Henry Stimson, (as bombas) foram a ‘menos aterradora escolha’ de uma sinistra gama de opções encaradas pelos líderes americanos,” disse ele em uma entrevista. “Alternativas às bombas atômicas não apresentavam garantia em quando elas terminariam a guerra e carregavam um preço muito maior em mortes e sofrimento humano.”
Frank, que está escrevendo uma história de três volumes acerca da Guerra do Pacífico, disse que continua a discordar de Hasegawa na importância relativa da intervenção soviética e das bombas-A em forçar a rendição japonesa.
Mas ele disse que concorda que a responsabilidade pelo o que ocorreu é do governo japonês e de Hirohito, o qual decidira em Junho recrutar quase a população inteira, homens e principalmente mulheres, para lutar até a morte.
“Já que nenhuma provisão fora tomada para colocar estas pessoas em uniformes, tropas invasoras Aliadas não seriam capazes de distinguir entre combatentes e não-combatentes, tornando efetivamente cada vila japonesa em alvo militar,” disse Frank.
O impacto do avanço relâmpago dos soviéticos é percebido nas palavras do primeiro ministro japonês, Kantaro Suzuki, incitando seu gabinete à rendição.
Ele é citado no livro de Hasegawa dizendo, “Se perdermos (a chance) hoje, a União Soviética tomará não só a Manchúria, a Coréia e Sakhalin, mas também Hokkaido. Nós precisamos terminar a guerra enquanto ainda podemos lidar com os Estados Unidos.”
O dia V-J, o dia em que o Japão cessou de lutar, foi em 15 de Agosto (14 de Agosto nos EUA), e a rendição formal do Japão ocorreu em 2 de Setembro.
Dominic Lieven, professor de governo russo na Escola de Economia de Londres, disse que o sentimento anti-soviético no Ocidente tende a minimizar as conquistas militares soviéticas.
Também, “Poucos Anglo-americanos viram com seus próprios olhos a ofensiva soviética no Extremo Oriente, e os arquivos soviéticos não foram abertos para historiadores ocidentais subsequëntemente.”, ele disse.
Mais surpreendentemente, até na Rússia a campanha foi largamente ignorada. Apesar da escala da vitória soviética ser sem precedentes. 12.000 mortos contra o Japão dificilmente podem ser comparados com a luta de vida ou morte contra a Alemanha Nazista, a qual 27 milhões de soviéticos morreram.
“A importância da operação foi enorme,” disse o aposentado General Makhmut Gareyev, presidente da Academia Russa de Ciências Militares, que tomou parte da campanha em 1945. “Ao entrar na guerra contra o Japão militarista... A União Soviética precipitou o fim da Segunda Guerra Mundial.”
Historiadores repensam papel chave dos soviéticos na derrota do Japão
Stálin, Truman e Churchill em Potsdam |
Enquanto os Estados Unidos lançavam suas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki em Agosto de 1945, 1.6 milhões de soviéticos lançaram-se em um ataque surpresa contra o exército japonês que ocupava a Ásia oriental. Em alguns dias, o exército de um milhão de homens do Imperador Hiroshito havia desmoronado.
Fora uma virada importantíssima no campo de batalha do Pacífico da Segunda Guerra Mundial, todavia ela seria largamente eclipsada nos livros de história pelas bombas lançadas na mesma semana em Hiroshima e Nagasaki, 65 anos atrás. Porém recentemente alguns historiadores argumentaram que a ação soviética foi tão efetiva – ou possivelmente mais efetiva – que as bombas-A em terminar a guerra.
Agora uma nova história escrita por um professor da Universidade da Califórina busca reforçar este ponto de vista, argumentando que o medo da invasão soviética persuadiu os japoneses a optarem pela rendição aos americanos, os quais eles acreditavam que os tratariam mais generosamente que os soviéticos.
Forças japonesas no noroeste da Ásia combateram os russos pela primeira vez em 1939, quando o exército japonês tentou invadir a Mongólia. A derrota desastrosa na batalha de Khalkin Gol induziu Tóquio a assinar um pacto de neutralidade que manteve a URSS fora da guerra do Pacífico.
Tóquio mudou seu foco para o confronto com tropas americanas, britânicas e holandesas, o que levou ao ataque de Pearl Harbor em 7 de Dezembro de 1941.
Porém após a rendição da Alemanha em 8 de Maio de 1945, e ao sofrer uma série de derrotas nas Filipinas, em Okinawa e em Iwo Jima, o Japão voltou-se à Moscou para mediar um fim para a guerra do Pacífico.
No entanto, o líder soviético Josif Stálin já havia prometido secretamente à Washington e Londres que ele atacaria o Japão após três meses da derrota alemã. Portanto ele ignorou os pedidos de Tóquio, mobilizando mais de um milhão de tropas nas fronteiras da Manchúria.
A Operação Tempestade de Agosto foi iniciada em 9 de Agosto de 1945, enquanto a bomba de Nagasaki era lançada. Ela tirou a vida de 84.000 soldados japoneses e 12.000 soviéticos em duas semanas de combate. Os soviéticos chegaram a apenas 50km da ilha principal do norte do Japão, Hokkaido.
“A entrada dos soviéticos na guerra foi muito mais importante que as bombas atômicas em induzir o Japão à rendição, porque acabou com qualquer esperança do Japão em terminar a guerra através da mediação de Moscou,” disse Tsuyoshi Hasegawa, que em sua obra recentemente publicada “Racing the Enemy”, examina a conclusão da guerra do Pacífico baseado em arquivos soviéticos recentemente liberados, além dos documentos japoneses e americanos.
“O imperador e a facção da paz (dentro do governo) aceleraram o fim da guerra esperando que os americanos lidariam com o Japão mais generosamente que os soviéticos,” disse Hasegawa, um acadêmico americano que fala russo, em uma entrevista.
Apesar do número de mortos pelas bombas atômicas – 140.000 em Hiroshima e 80.000 em Nagasaki, o Comando Militar Imperial acreditava que poderia segurar uma invasão Aliada se mantivesse o controle sobre a Manchúria e a Coréia, locais que proviam os japoneses com recursos para guerra, de acordo com Hasegawa e Terry Charman, um historiador da Segunda Guerra Mundial no Museu Imperial da Guerra, em Londres.
“O ataque soviético mudou tudo isso,” disse Charman. “A liderança em Tóquio percebeu que não havia mais esperanças, e, neste sentido, a Tempestade de Agosto teve um efeito muito maior na decisão do Japão em se render do que os ataques nucleares.”
Nos EUA, os ataques nucleares ainda são vistos como uma decisão de última instância contra um inimigo que parecia determinado a lutar até a morte. O presidente Harry S. Truman e os líderes militares dos EUA acreditavam que uma invasão ao Japão custaria a vida de centenas de milhares de soldados americanos.
O historiador americano Richard B. Frank argumentou que por mais terrível que os ataques nucleares sejam, eles salvaram a vida de milhares de soldados americanos e de milhões de combatentes e civis japoneses que teriam morrido se o conflito continuasse até 1946.
“Nas famosas palavras do Secretário de Guerra Henry Stimson, (as bombas) foram a ‘menos aterradora escolha’ de uma sinistra gama de opções encaradas pelos líderes americanos,” disse ele em uma entrevista. “Alternativas às bombas atômicas não apresentavam garantia em quando elas terminariam a guerra e carregavam um preço muito maior em mortes e sofrimento humano.”
Frank, que está escrevendo uma história de três volumes acerca da Guerra do Pacífico, disse que continua a discordar de Hasegawa na importância relativa da intervenção soviética e das bombas-A em forçar a rendição japonesa.
Mas ele disse que concorda que a responsabilidade pelo o que ocorreu é do governo japonês e de Hirohito, o qual decidira em Junho recrutar quase a população inteira, homens e principalmente mulheres, para lutar até a morte.
“Já que nenhuma provisão fora tomada para colocar estas pessoas em uniformes, tropas invasoras Aliadas não seriam capazes de distinguir entre combatentes e não-combatentes, tornando efetivamente cada vila japonesa em alvo militar,” disse Frank.
O impacto do avanço relâmpago dos soviéticos é percebido nas palavras do primeiro ministro japonês, Kantaro Suzuki, incitando seu gabinete à rendição.
Ele é citado no livro de Hasegawa dizendo, “Se perdermos (a chance) hoje, a União Soviética tomará não só a Manchúria, a Coréia e Sakhalin, mas também Hokkaido. Nós precisamos terminar a guerra enquanto ainda podemos lidar com os Estados Unidos.”
O dia V-J, o dia em que o Japão cessou de lutar, foi em 15 de Agosto (14 de Agosto nos EUA), e a rendição formal do Japão ocorreu em 2 de Setembro.
Dominic Lieven, professor de governo russo na Escola de Economia de Londres, disse que o sentimento anti-soviético no Ocidente tende a minimizar as conquistas militares soviéticas.
Também, “Poucos Anglo-americanos viram com seus próprios olhos a ofensiva soviética no Extremo Oriente, e os arquivos soviéticos não foram abertos para historiadores ocidentais subsequëntemente.”, ele disse.
Mais surpreendentemente, até na Rússia a campanha foi largamente ignorada. Apesar da escala da vitória soviética ser sem precedentes. 12.000 mortos contra o Japão dificilmente podem ser comparados com a luta de vida ou morte contra a Alemanha Nazista, a qual 27 milhões de soviéticos morreram.
“A importância da operação foi enorme,” disse o aposentado General Makhmut Gareyev, presidente da Academia Russa de Ciências Militares, que tomou parte da campanha em 1945. “Ao entrar na guerra contra o Japão militarista... A União Soviética precipitou o fim da Segunda Guerra Mundial.”
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010
102 anos do nascimento de Enver Hoxha
No dia 16 de outubro de 2010, completa-se 102 anos do nascimento do líder comunista albanês, Enver Hoxha. Nascido em Gjinokaster no ano de 1908, Hoxha completou seu curso primário em sua cidade natal e, o secundário, em Korçe. Seguiu então para a França, onde ingressou no curso de Filosofia. Porém devido a problemas financeiros, ele teve de largar os estudos. Trabalhou então no consulado Albanês na Bélgica. Ficou no exterior até 1936, quando foi nomeado professor no Liceu francês de Korçe.
Permaneceu como professor até o fatídico ano de 1939, quando a Itália de Mussolini invadiu a Albânia. O então Rei Albanês, Ahmet Zogú, entregou o país de mãos beijadas ao Duce, o que obviamente gerou revoltas e manifestações populares contra o regime. Hoxha foi um participante resoluto destas manifestações, sendo logo demitido de seu cargo por recusar a ingressar no recém criado Partido Fascista Albanês e por se opor ao governo.
Desempregado, Hoxha abriu uma tabacaria em Tirana. Local que logo se transformou em um ponto de encontro da resistência anti-fascista albanesa. Metido em todo o tipo de atividades clandestinas contra o fascismo, Enver Hoxha começou a se tornar um líder entre os que lutavam pela libertação nacional e, consequentemente, passou a ser perseguido pela polícia do regime.
A 8 de novembro de 1941, junto com vários camaradas militantes, fundou o Partido Comunista da Albânia - que no futuro se tornaria o Partido do Trabalho da Albânia. Sob a liderança dos comunistas, formou-se o Exército de Libertação Nacional, em 1942. Tal exército estava incumbido de combater os fascistas, derrubar o velho Estado e construir um novo regime que se baseasse nas aspirações populares. Em 1943, por suas notáveis capacidades de liderança e por sua bravura, Enver Hoxha foi nomeado Comissário Geral do Exército de Libertação Nacional, passando a comandar milícias populares em importantes campanhas na encarniçada guerra contra os fascistas e as velhas forças reacionárias albanesas.
Neste mesmo ano, a Itália já enfraquecida e prestes a capitular deu lugar às tropas da Wehrmacht alemã. Em 1944, com o inimigo já desgastado e o prestígio de Hoxha em alta, ele foi nomeado Comandante em Chefe do Exército de Libertação Nacional e Presidente do Comitê Anti-Fascista - que tinha as atribuições de um Governo Provisório. Após a fracassada ofensiva fascista de junho de 1944, a resistência partisan albanesa lançou uma violenta contra-ofensiva que basicamente minou a força dos invasores e dos reacionários. Em outubro do mesmo ano, foi realizada a Conferência de Berat, a qual designou Hoxha como o Primeiro Ministro da nação em formação, cargo que deteve até 1954.
Após o fim da Guerra, Enver Hoxha liderou a nação em um profundo processo revolucionário. As terras foram coletivizadas, as empresas e os meios de produção, nacionalizados e socializados. Iniciou-se o processo de industrialização e modernização da nação. A Albânia, antes um paupérrimo reinado semi-feudal, logo transformou-se em um país moderno e com uma economia em franco crescimento. O analfabetismo foi erradicado, assim como o desemprego. O sistema de saúde e o sistema educacional passaram por reformas gigantescas, transformando-se em serviços de primeira qualidade e gratuitos para a população. Novas técnicas agrícolas possibilitaram a expansão da agricultura albanesa, tornando a nação auto-suficiente e livre da fome. O desenvolvimento industrial foi grande também, chegando ao ponto em que a pequena República Albanesa exportava maquinaria para países capitalistas como a Itália. O regime de trabalho foi reduzido a sete horas diárias, os trabalhadores passaram a gozar de avançados direitos trabalhistas e o padrão de vida do povo elevou-se de maneira expressiva.
Além de seu papel na construção da nova Albânia, Hoxha também teve corajosa atuação no cenário internacional. Comunista fervoroso e sempre fiel aos seus ideais, foi um dos primeiros a denunciar o oportunismo dos revisionistas kruschevistas. O papel do albanês como teórico marxista pode ser muito bem definido como um antirrevisionista resoluto, defensor incansável do marxismo-leninismo.
Uma de suas maiores façanhas ocorreu em 1960, durante o encontro de 81 partidos comunistas de todo o mundo em Moscou. Em seu discurso, o comunista albanês desferiu graves críticas contra a política revisionista soviética, peitando de frente o social-imperialismo de Kruschev e companhia. A Albânia então rompeu relações com a URSS, sendo logo apoiada por Mao Tsé-Tung e os comunistas chineses. Em uma reviravolta tremenda, Hoxha também rompeu com os chineses em meados da década de 70, acusando-os do mesmo mal soviético: o chauvinismo de grande Estado. Ou seja, o imperialismo, a pretensão de se impor sobre outras nações menores.
Em 11 de abril de 1985, após mais de quarenta anos de dedicação à causa comunista e ao seu país, Enver Hoxha faleceu em Tirana, aos 76 anos de idade. A nação inteira chorou a perda de um dos seus maiores filhos. Poucos anos após sua morte, a República Popular da Albânia entrou em convulsão, tomada por uma violenta guerra civil, na qual a reação saiu vitoriosa. Hoje, é o país mais pobre da Europa e totalmente dependente do capital estrangeiro. Mais uma vítima da contrarrevolução capitalista no Leste Europeu, que desde seu triunfo já causou mais perdas humanas do que a mídia ocidental gosta de atribuir aos comunistas.
Enver Hoxha foi um dedicado comunista, tanto teórico como prático. Dedicou sua vida à revolução e ao combate contra o revisionismo. Como todos os homens, teve seus erros e problemas. Todavia o legado da Albânia é patrimônio dos trabalhadores de todo o mundo, algo que deve ser estudado com atenção especial, pois nesta rica experiência socialista, assim como em todas as outras, há muitas lições para serem tiradas para a luta presente e para um programa socialista que leve em conta todas as especificidades do mundo contemporâneo e do século XXI.
Para mim, o maior legado de Enver e da Albânia são os órgãos de Controle Operário. Nestas organizações de trabalhadores há o germe para uma sociedade mais democrática e justa que, infelizmente, Enver e seus camaradas não souberam aproveitar de uma maneira mais profunda. Todavia, elas deram bastante poder aos trabalhadores dentro de seus respectivos locais de trabalho, concentrando o poder de decisão nas mãos de assembleias de trabalhadores. Além disso, o Controle Operário servia como órgão de fiscalização contra a corrupção, a burocracia, a baixa produtividade e como veículo de discussões e críticas acerca do ambiente de trabalho e de todas as questões relativas ao trabalho.
Concluo esta homenagem com algumas palavras do velho Hoxha:
"A intensificação da luta ideológica de classe é ditada, igualmente, pela necessidade de libertar, sob todos os aspectos, as capacidades físicas, intelectuais e espirituais de todos os trabalhadores, em particular das mulheres e dos jovens, para os aliviar do pesado fardo dos preconceitos antigos, a fim de permitir que o seu ímpeto revolucionário se exprima com uma força irresistível, em todos os domínios de atividade. O ideal do socialismo é libertar os trabalhadores, não só do jugo social e econômico, mas também da escravatura espiritual das ideologias estranhas ao socialismo. O socialismo é o único sistema que cria todas as possibilidades para a emancipação do homem e que está à altura de a realizar completamente." (Enver Hoxha em A Luta Ideológica e a Educação do Homem Novo)
Permaneceu como professor até o fatídico ano de 1939, quando a Itália de Mussolini invadiu a Albânia. O então Rei Albanês, Ahmet Zogú, entregou o país de mãos beijadas ao Duce, o que obviamente gerou revoltas e manifestações populares contra o regime. Hoxha foi um participante resoluto destas manifestações, sendo logo demitido de seu cargo por recusar a ingressar no recém criado Partido Fascista Albanês e por se opor ao governo.
Desempregado, Hoxha abriu uma tabacaria em Tirana. Local que logo se transformou em um ponto de encontro da resistência anti-fascista albanesa. Metido em todo o tipo de atividades clandestinas contra o fascismo, Enver Hoxha começou a se tornar um líder entre os que lutavam pela libertação nacional e, consequentemente, passou a ser perseguido pela polícia do regime.
A 8 de novembro de 1941, junto com vários camaradas militantes, fundou o Partido Comunista da Albânia - que no futuro se tornaria o Partido do Trabalho da Albânia. Sob a liderança dos comunistas, formou-se o Exército de Libertação Nacional, em 1942. Tal exército estava incumbido de combater os fascistas, derrubar o velho Estado e construir um novo regime que se baseasse nas aspirações populares. Em 1943, por suas notáveis capacidades de liderança e por sua bravura, Enver Hoxha foi nomeado Comissário Geral do Exército de Libertação Nacional, passando a comandar milícias populares em importantes campanhas na encarniçada guerra contra os fascistas e as velhas forças reacionárias albanesas.
Neste mesmo ano, a Itália já enfraquecida e prestes a capitular deu lugar às tropas da Wehrmacht alemã. Em 1944, com o inimigo já desgastado e o prestígio de Hoxha em alta, ele foi nomeado Comandante em Chefe do Exército de Libertação Nacional e Presidente do Comitê Anti-Fascista - que tinha as atribuições de um Governo Provisório. Após a fracassada ofensiva fascista de junho de 1944, a resistência partisan albanesa lançou uma violenta contra-ofensiva que basicamente minou a força dos invasores e dos reacionários. Em outubro do mesmo ano, foi realizada a Conferência de Berat, a qual designou Hoxha como o Primeiro Ministro da nação em formação, cargo que deteve até 1954.
Após o fim da Guerra, Enver Hoxha liderou a nação em um profundo processo revolucionário. As terras foram coletivizadas, as empresas e os meios de produção, nacionalizados e socializados. Iniciou-se o processo de industrialização e modernização da nação. A Albânia, antes um paupérrimo reinado semi-feudal, logo transformou-se em um país moderno e com uma economia em franco crescimento. O analfabetismo foi erradicado, assim como o desemprego. O sistema de saúde e o sistema educacional passaram por reformas gigantescas, transformando-se em serviços de primeira qualidade e gratuitos para a população. Novas técnicas agrícolas possibilitaram a expansão da agricultura albanesa, tornando a nação auto-suficiente e livre da fome. O desenvolvimento industrial foi grande também, chegando ao ponto em que a pequena República Albanesa exportava maquinaria para países capitalistas como a Itália. O regime de trabalho foi reduzido a sete horas diárias, os trabalhadores passaram a gozar de avançados direitos trabalhistas e o padrão de vida do povo elevou-se de maneira expressiva.
Além de seu papel na construção da nova Albânia, Hoxha também teve corajosa atuação no cenário internacional. Comunista fervoroso e sempre fiel aos seus ideais, foi um dos primeiros a denunciar o oportunismo dos revisionistas kruschevistas. O papel do albanês como teórico marxista pode ser muito bem definido como um antirrevisionista resoluto, defensor incansável do marxismo-leninismo.
Uma de suas maiores façanhas ocorreu em 1960, durante o encontro de 81 partidos comunistas de todo o mundo em Moscou. Em seu discurso, o comunista albanês desferiu graves críticas contra a política revisionista soviética, peitando de frente o social-imperialismo de Kruschev e companhia. A Albânia então rompeu relações com a URSS, sendo logo apoiada por Mao Tsé-Tung e os comunistas chineses. Em uma reviravolta tremenda, Hoxha também rompeu com os chineses em meados da década de 70, acusando-os do mesmo mal soviético: o chauvinismo de grande Estado. Ou seja, o imperialismo, a pretensão de se impor sobre outras nações menores.
Em 11 de abril de 1985, após mais de quarenta anos de dedicação à causa comunista e ao seu país, Enver Hoxha faleceu em Tirana, aos 76 anos de idade. A nação inteira chorou a perda de um dos seus maiores filhos. Poucos anos após sua morte, a República Popular da Albânia entrou em convulsão, tomada por uma violenta guerra civil, na qual a reação saiu vitoriosa. Hoje, é o país mais pobre da Europa e totalmente dependente do capital estrangeiro. Mais uma vítima da contrarrevolução capitalista no Leste Europeu, que desde seu triunfo já causou mais perdas humanas do que a mídia ocidental gosta de atribuir aos comunistas.
Enver Hoxha foi um dedicado comunista, tanto teórico como prático. Dedicou sua vida à revolução e ao combate contra o revisionismo. Como todos os homens, teve seus erros e problemas. Todavia o legado da Albânia é patrimônio dos trabalhadores de todo o mundo, algo que deve ser estudado com atenção especial, pois nesta rica experiência socialista, assim como em todas as outras, há muitas lições para serem tiradas para a luta presente e para um programa socialista que leve em conta todas as especificidades do mundo contemporâneo e do século XXI.
Para mim, o maior legado de Enver e da Albânia são os órgãos de Controle Operário. Nestas organizações de trabalhadores há o germe para uma sociedade mais democrática e justa que, infelizmente, Enver e seus camaradas não souberam aproveitar de uma maneira mais profunda. Todavia, elas deram bastante poder aos trabalhadores dentro de seus respectivos locais de trabalho, concentrando o poder de decisão nas mãos de assembleias de trabalhadores. Além disso, o Controle Operário servia como órgão de fiscalização contra a corrupção, a burocracia, a baixa produtividade e como veículo de discussões e críticas acerca do ambiente de trabalho e de todas as questões relativas ao trabalho.
Concluo esta homenagem com algumas palavras do velho Hoxha:
"A intensificação da luta ideológica de classe é ditada, igualmente, pela necessidade de libertar, sob todos os aspectos, as capacidades físicas, intelectuais e espirituais de todos os trabalhadores, em particular das mulheres e dos jovens, para os aliviar do pesado fardo dos preconceitos antigos, a fim de permitir que o seu ímpeto revolucionário se exprima com uma força irresistível, em todos os domínios de atividade. O ideal do socialismo é libertar os trabalhadores, não só do jugo social e econômico, mas também da escravatura espiritual das ideologias estranhas ao socialismo. O socialismo é o único sistema que cria todas as possibilidades para a emancipação do homem e que está à altura de a realizar completamente." (Enver Hoxha em A Luta Ideológica e a Educação do Homem Novo)
Albaneses no túmulo de Hoxha, prestando homenagens nos 101 anos de seu nascimento, em 2009 |
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terça-feira, 12 de outubro de 2010
União Soviética, 1932 (O dia-a-dia no país dos Sovietes) Parte II
Após falar um pouco de Moscou, Sir Newsholme começa a descrever suas impressões acerca de Leningrado. Todavia, ele apenas menciona as instituições voltadas à saúde pública, sem desenvolver muito mais do que isso. Ele direciona muitos elogios aos hospitais, clínicas, etc., afirmando que são bastante modernos e bem capacitados. E aí termina o primeiro capítulo do livro.
O segundo chama-se "De Moscou para a Geórgia e Criméia". Este capítulo basicamente narra a viagem do britânico em um barco através do Volga, viagem a qual ele visita uma série de cidades e de diferentes regiões soviéticas. De acordo com ele, o barco estava sempre lotado; entravam muitas pessoas e saíam bastante também a cada parada. A maior parte dos passageiros eram de camponeses pobres, cheios de caixas, frutas, animais. Muitas coisas as quais eles venderiam em algum centro urbano. A embarcação seguia tão lotada que muitos dormiam no convés mesmo. Ao que parece ela tinha quatro classes, reflexo de uma União Soviética ainda em desenvolvimento e ainda marcada pelas diferentes classes sociais: operários, camponeses pobres, kulaks, estratos médios (como funcionários da administração estatal), entre outras. A primeira e segunda classes ofereciam certo conforto, já a terceira ficava mais apertada enquanto que a quarta ficava no convés do navio mesmo.
Sir Newsholme segue descrevendo no capítulo suas visitas a várias cidades, sempre focando nas questões relativas à saúde. Da Geórgia à República dos Tártaros e à Ucrânia. Suas impressões são de que o desenvolvimento e a modernização estão chegando até nas menores e menos importantes partes da nação, não sendo Moscou e Leningrado lugares privilegiados por sua centralidade e importância. Todavia o que importa mesmo neste capítulo são alguns episódios que ocorreram dentro da embarcação. Como, por exemplo, a sabotagem terrorista ocorrida em uma ponte sobre o Volga.
Após o barco passar por Samara, ele aproximou-se de uma vila chamada Batraki, onde havia uma ponte ferroviária que atravessava o Volga. Uma ordem soou no barco para que todos buscassem abrigo. O britânico então revela que dois vãos da ponte haviam sido explodidos por terroristas. Os soviéticos disseram então que de tempos em tempos ainda haviam ataques contra-revolucionários. O que é algo revelador, já que normalmente se trata o perigo da contra-revolução como paranoia dos comunistas, o que de fato nunca foi. Pois os casos de sabotagem, assassinato de políticos importantes, espionagem, etc., eram muito comuns na URSS.
A viagem segue, e o britânico encontra um financista americano de Wall Street. Ele vinha visitando as novas indústrias que vinham sendo montadas na União Soviética e, nas palavras de Sir Newsholme, o americano estava tão impressionado com as indústrias soviéticas quanto ele próprio estava com o sistema de saúde pública. O que mais impressionou o americano foi a liberdade a qual os trabalhadores tinham em criticar os gestores das fábricas e seus companheiros de trabalho. Para o homem de Wall Street, o sucesso da experiência soviética dependeria em larga medida desta liberdade de crítica individual - opinião a qual eu também compartilho. Mas nem tudo eram glórias, o homem de negócios viu bastante ineficiência nas fábricas visitadas, porém completou que era do tipo que logo seria remediada.
Quanto a vida comum, Sir Newsholme continua batendo na tecla da felicidade das pessoas. Das cantorias, da hospitalidade, do calor humano e da importância da socialização das pessoas. No fim da primeira parte deste capítulo, ele fala um pouco sobre a vida noturna em Stalingrado. As pessoas pareciam se concentrar no Parque de Cultura e Descanso, participando de festivais de música, dança folk, entre outras coisas.
A próxima parte do capítulo se chama "Através do Cáucaso Setentrional". E o britânico basicamente fala sobre como ele ficara impressionado com o progresso daquela região. Para todos os lados ele via fazendas, plantações, tratores e máquinas novas; nas cidades, novos apartamentos e casas, escolas, hospitais, etc. O desenvolvimento vinha chegando rapidamente, se espalhando pelo país mesmo em regiões antes abandonadas e pouco importantes para o poder central. Sigo então para a próxima parte, "Geórgia Subtropical". Aqui Sir Newsholme fala mais sobre suas visitas a sovkhozes (Fazendas do Estado) e a kolkhozes (Fazendas de cooperativas).
Esta parte é bastante interessante, pois mostra a preocupação dos soviéticos em acabar com a velha oposição entre campo e cidade, a qual Marx e Engels viam como uma das grandes contradições do capitalismo. As fazendas, sejam cooperativas ou estatais, eram basicamente cidades rodeadas de gado e/ou plantações. Havia apartamentos e residências, escolas, hospitais, creches, enfim, tudo que cidades normalmente possuíam. Os trabalhadores viviam nas fazendas, assim como os administradores e gestores. Cada propriedade rural era um mini centro urbano.
Em uma destas fazendas, um enorme e bem administrado kolkhoze, que consistia da junção de 153 pequenas fazendas, ocorreu uma cena do dia-a-dia que achei bem interessante. Na visita de Sir Newsholme a uma creche do kolkhoze, ele foi acompanhado pelo Secretário do Partido Comunista da região da Geórgia. O britânico disse que ele era amado pelas crianças e que, quando entrou na sala onde elas se encontravam, as saudou com:
"Vocês estão prontos para o trabalho e a defesa?"
E os pequenos se levantaram e o saudaram, respondendo:
"Sempre prontos!"
Ao que parece era uma tradição no país, repetida por todos os lados. Sir Newsholme disse que vira por toda a nação cartazes com o lema de que cada cidadão soviético devia estar pronto para o trabalho e para a defesa.
Esta parte do capítulo termina com o britânico descrevendo as redondezas de Batum, que fica no Mar Negro. Ele disse que havia muitos palácios luxuosos que um dia pertenceram a nobres e a realeza russa, mas que agora eram hotéis voltados aos trabalhadores. Era hábitos dos trabalhadores soviéticos, durante suas férias, viajarem para esses antigos palácios para apreciarem a boa vida da falecida e opulenta classe dominante do Império. Boa parte dos custos da viagem eram pagos pelos sindicatos, cerca de 30%.
Daí chega-se a próxima parte do capítulo, "No Mar Negro". Nesta parte, Sir Newsholme conversa com uma série de pessoas proeminentes da União Soviética, falando desde a liberdade de imprensa até aspectos do trabalho. Ao discutir sobre a liberdade de imprensa, Sr. Minkow, um dos editores da Rádio Jornal do Trabalho, diz que há espaço para tudo que não seja "contra-revolucionário" ser publicado. Ou seja, não havia espaço para publicações anti-soviéticas e anti-comunistas. O britânico também conversou com a doutora Olga Borisowna Lepeschinskaya, professora de Histologia na Academia Comunista de Moscou. Ela fala sobre as "brigadas de choque", que eram utilizadas para aumentar a produtividade entre os trabalhadores. Elas consistiam de grupos de trabalhadores que competiam entre si para ver quem produzia mais, os mais produtivos obviamente eram premiados. Quem seria ou não premiado era tópico de discussão nos "encontros de produção" de todos os trabalhadores de determinado local. Esta lógica era aplicada nos mais variados ramos, inclusive no ramo científico e acadêmico o qual Olga fazia parte. Outro ponto discutido é o dos jornais de parede, presentes em todos os ambientes de trabalho. Newsholme não fala muito deles por agora, mas diz que eram instrumentos para as críticas individuais de cada trabalhador acerca de todo e qualquer problema que ocorresse no ambiente de trabalho.
No último ponto que julgo importante nesta parte, o britânico fala sobre o enorme e luxuoso palácio de Livadia, que antes pertencia ao próprio Czar. Após sua expropriação, foi transformado em resort de férias para os operários e camponeses mais produtivos. Certamente viver na residência de Imperadores por algumas semanas deveria ser uma experiência e tanto para trabalhadores comuns.
O capítulo acaba com "A Capital da Ucrânia", parte a qual o britânico fala sobre Kharkov. Basicamente se detém só nas questões de saúde pública e não fala nada muito interessante para mim. E aqui acaba as observações de maneira mais geral. No próximo artigo, procurarei falar especificamente sobre as condições das indústrias na União Soviética.
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segunda-feira, 4 de outubro de 2010
União Soviética, 1932 (O dia-a-dia no país dos Sovietes) Parte I
Na terceira parte de "Red Medicine", intitulada "Moscow and Leningrad", Sir Newshome fala um pouco de suas impressões sobre Moscou primeiro e, depois, sobre Leningrado. Uma das coisas que mais chama a atenção é a felicidade e a esperança estampadas nas faces dos moscovitas, desde as crianças aos mais velhos. O britânico diz que para todos os lados da URSS ele ouvia as pessoas cantando e via-as sorrindo. Não havia aquela atmosfera cinzenta de medo e terror tanto pregada por aí, o que corrobora com os estudos do historiador Robert Thurston em sua obra "Life and Terror in Stalin's Russia". Não havia aquele clima de paranóia e intrigas entre a população, clima supostamente criado pela perseguição violenta da polícia política soviética contra qualquer pessoa que discordasse minimamente do sistema soviético.
Ele segue falando sobre como a cidade era extremamente movimentada e como a população vinha crescendo de maneira espantosa nos últimos anos. Resultado disso foi um grande problema de habitação. Ele diz que apesar dos enormes blocos novos de apartamento que vinham sendo construídos, muitas famílias ainda tinham que viver juntas e apertadas, além de haver na cidade uma série de dormitórios públicos para abrigar os desabrigados. Além disso, era visível um "boom" no setor de construções, com novas fábricas, clubes para trabalhadores, parques de lazer, escolas, prédios comerciais, entre outras coisas.
Outro ponto interessantíssimo que é abordado é o fato de que a fome era discutida abertamente pela população, o que mostra que o governo soviético não escondia seus podres do povo como é normalmente dito por aí. Mas que fome seria essa? O próprio Newsholme explica, demonstrando um conhecimento profundo acerca da União Soviética de sua época, algo extremamente incomum para um ocidental. Ele diz que a URSS parecia não ter se recuperado ainda da destruição dos meios de produção agrícolas (basicamente cavalos, gados na época) promovidas pelos kulaks durante a coletivização de terras. Estima-se que a resistência desta última classe czarista russa tenha resultado em uma destruição de cerca de 50% dos meios de produção agrícola, sem contar que no início dos anos 30, a URSS passou pela pior seca dos últimos tempos. Esta combinação de fatores resultou em um triste e terrível período de fome, mas que, felizmente, foi contornado em cerca de dois anos.
Sir Newsholme descreve filas para se conseguir comida em açougues e outras lojas de alimentos. Ele disse que o que mais faltava era carne boa e leite. Então ele fala sobre grandes cozinhas comunais pela cidade, onde a refeição era vendida por 60 kopecks (ou cerca de 30 centavos de dólar), e sobre as refeições que eram oferecidas nas fábricas também. Duas interessantes formas de combate à fome.
Um dos pontos mais importantes para o dia-a-dia dos soviéticos era o Parque de Cultura e Descanso. Onde as pessoas se reuniam para o lazer e para estreitar suas relações pessoais. Havia de tudo por lá, danças folclóricas e populares, cantorias, jogos e brincadeiras para crianças, natação, remo, etc. O britânico informa também que, de acordo com a filosofia soviética, parques como este eram importantes para demonstrar o valor de atividades de socialização.
Outra situação que bate de frente contra o paradigma totalitário é o filme visto por Sir Newsholme em um cinema soviético, intitulado "A Estrada para a Vida". Baseado nos príncipios do Realismo Socialista, o filme é sobre problemas da realidade soviética, mostrando-a nua e crua, sem censuras. O normal de um governo totalitário é esconder seus podres, filmes como este deveriam ser prontamente proibidos por um governo que visa mostrar que seu país é um paraíso, já que ele aborda o problema da criminalidade juvenil. O filme dramatiza a necessidade da educação de qualidade para crianças de rua para prevenir que elas se tornem criminosas. Sim, havia crianças de rua e mendigos nesta época na URSS, apesar de que Sir Newsholme disse que era em bem menor quantidade que na Europa em geral. Agora imaginem um filme de Joseph Goebbels e Leni Riefenstahl acerca de um problema tão contrangedor para um governo como este. Seria possível? Jamais o Ministério da Propaganda nazista permitiria que algo assim fosse produzido.
A vida soviética era marcada também pela grande presença de eventos culturais. Teatros e óperas eram tomados por pessoas. Operários e camponeses lotavam lugares que no ocidente eram tomados apenas por nobres e burgueses. E Sir Newsholme descreve como os soviéticos apreciavam bastante tais espetáculos. Isto reflete a educação e a cultura cada vez mais elevadas das massas soviéticas que, há apenas duas décadas atrás viviam no obscurantismo, na miséria e na completa ignorância.
Neste primeiro relato de impressões sobre Moscou, Sir Newsholme trata de uma última questão que julgo de grande importância: o tratamento de criminosos. Ele visita uma comuna de trabalho para reabilitação de prisioneiros chamada Bolshevo, a cerca de 50 quilômetros de Moscou. Ela foi construída para pessoas que cometeram pequenos crimes como roubo e incêndio culposo. Havia cerca de 2.200 pessoas vivendo nesta "prisão". O interessante é que as famílias dos criminosos vão para lá também e o local é como uma pequena vila. Tem escola, hospital, clínica, loja de cooperativas e apartamentos de habitação. Os criminosos trabalham na criação de artigos desportivos, além do plantio e da pecuária para abastecer as necessidades da comunidade. Esta comuna é auto-governada pelos prisioneiros, os quais foram escolhidos por um tal Comitê de Distribuição entre vários condenados em prisões comuns. E é interessante que ela pode ser deixada por livre espontânea vontade. Não há guardas para impedir isso.
O objetivo é reduzir ao máximo o encarceramento de criminosos. Além de torná-los mais produtivos. Até onde eu sei é um método utilizado apenas para crimes de pequena relevância. Crimes mais terríveis como assassinato e desvio de dinheiro público são normalmente punidos nos campos de trabalho de maior segurança. Locais onde os criminosos ajudam a produção agrícola ou a construção de ferrovias e vilas no interior da nação, entre outros trabalhos. É importante frisar que onde o trabalho é para todos, o problema é ficar sem trabalhar. Portanto a população em prisões comuns sempre foi pequena, já que lá as pessoas ficavam improdutivas, vivendo do trabalho alheio - coisa terrível para o socialismo.
Nos próximos post buscarei apresentar mais aspectos da vida soviética nos anos 30. Até lá.
Sala de espera de um hospital em Moscou |
Em plena "ditadura stalinista", o britânico Sir Arthur Newsholme foi à União Soviética inspecionar o sistema de saúde soviético para escrever seu livro, intitulado "Red Medicine". Durante cerca de um mês e meio ele e sua equipe desbravaram o enorme território vermelho, anotando suas impressões. Newsholme era um médico renomado na Inglaterra, um dos pioneiros no estudo e na implantação de políticas de saúde pública no Ocidente. Não encontrei qualquer traço de simpatias ao comunismo em pequenas biografias que procurei na internet, muito menos em seus relatos. No entanto, ele me pareceu estranhamente honesto para um ocidental e seus comentários são muito sóbrios em relação à vida e ao regime soviético, sem jamais espalhar boatos sobre escravidão ou sobre a "maldade" de Stálin e de outros líderes comunistas. É uma das poucas pessoas ao longo do século XX que detém o mínimo de objetividade científica e não visa imputar sua visão de mundo aos leitores.
Sua pesquisa serviu como base para a criação de políticas de saúde pública mais eficientes no ocidente, principalmente na Grã-Bretanha, uma das "pequenas" dívidas que o capitalismo tem com o comunismo. Porém, não tenho a menor pretensão de falar em minúcias sobre a medicina soviética. O que me interessa na obra de Sir Newsholme são suas observações acerca da vida na URSS, numa época em que, de acordo com a História Oficial, os soviéticos viviam sob a mais terrível e implacável das ditaduras totalitárias.
Na terceira parte de "Red Medicine", intitulada "Moscow and Leningrad", Sir Newshome fala um pouco de suas impressões sobre Moscou primeiro e, depois, sobre Leningrado. Uma das coisas que mais chama a atenção é a felicidade e a esperança estampadas nas faces dos moscovitas, desde as crianças aos mais velhos. O britânico diz que para todos os lados da URSS ele ouvia as pessoas cantando e via-as sorrindo. Não havia aquela atmosfera cinzenta de medo e terror tanto pregada por aí, o que corrobora com os estudos do historiador Robert Thurston em sua obra "Life and Terror in Stalin's Russia". Não havia aquele clima de paranóia e intrigas entre a população, clima supostamente criado pela perseguição violenta da polícia política soviética contra qualquer pessoa que discordasse minimamente do sistema soviético.
Ele segue falando sobre como a cidade era extremamente movimentada e como a população vinha crescendo de maneira espantosa nos últimos anos. Resultado disso foi um grande problema de habitação. Ele diz que apesar dos enormes blocos novos de apartamento que vinham sendo construídos, muitas famílias ainda tinham que viver juntas e apertadas, além de haver na cidade uma série de dormitórios públicos para abrigar os desabrigados. Além disso, era visível um "boom" no setor de construções, com novas fábricas, clubes para trabalhadores, parques de lazer, escolas, prédios comerciais, entre outras coisas.
Outro ponto interessantíssimo que é abordado é o fato de que a fome era discutida abertamente pela população, o que mostra que o governo soviético não escondia seus podres do povo como é normalmente dito por aí. Mas que fome seria essa? O próprio Newsholme explica, demonstrando um conhecimento profundo acerca da União Soviética de sua época, algo extremamente incomum para um ocidental. Ele diz que a URSS parecia não ter se recuperado ainda da destruição dos meios de produção agrícolas (basicamente cavalos, gados na época) promovidas pelos kulaks durante a coletivização de terras. Estima-se que a resistência desta última classe czarista russa tenha resultado em uma destruição de cerca de 50% dos meios de produção agrícola, sem contar que no início dos anos 30, a URSS passou pela pior seca dos últimos tempos. Esta combinação de fatores resultou em um triste e terrível período de fome, mas que, felizmente, foi contornado em cerca de dois anos.
Sir Newsholme descreve filas para se conseguir comida em açougues e outras lojas de alimentos. Ele disse que o que mais faltava era carne boa e leite. Então ele fala sobre grandes cozinhas comunais pela cidade, onde a refeição era vendida por 60 kopecks (ou cerca de 30 centavos de dólar), e sobre as refeições que eram oferecidas nas fábricas também. Duas interessantes formas de combate à fome.
Um dos pontos mais importantes para o dia-a-dia dos soviéticos era o Parque de Cultura e Descanso. Onde as pessoas se reuniam para o lazer e para estreitar suas relações pessoais. Havia de tudo por lá, danças folclóricas e populares, cantorias, jogos e brincadeiras para crianças, natação, remo, etc. O britânico informa também que, de acordo com a filosofia soviética, parques como este eram importantes para demonstrar o valor de atividades de socialização.
Outra situação que bate de frente contra o paradigma totalitário é o filme visto por Sir Newsholme em um cinema soviético, intitulado "A Estrada para a Vida". Baseado nos príncipios do Realismo Socialista, o filme é sobre problemas da realidade soviética, mostrando-a nua e crua, sem censuras. O normal de um governo totalitário é esconder seus podres, filmes como este deveriam ser prontamente proibidos por um governo que visa mostrar que seu país é um paraíso, já que ele aborda o problema da criminalidade juvenil. O filme dramatiza a necessidade da educação de qualidade para crianças de rua para prevenir que elas se tornem criminosas. Sim, havia crianças de rua e mendigos nesta época na URSS, apesar de que Sir Newsholme disse que era em bem menor quantidade que na Europa em geral. Agora imaginem um filme de Joseph Goebbels e Leni Riefenstahl acerca de um problema tão contrangedor para um governo como este. Seria possível? Jamais o Ministério da Propaganda nazista permitiria que algo assim fosse produzido.
A vida soviética era marcada também pela grande presença de eventos culturais. Teatros e óperas eram tomados por pessoas. Operários e camponeses lotavam lugares que no ocidente eram tomados apenas por nobres e burgueses. E Sir Newsholme descreve como os soviéticos apreciavam bastante tais espetáculos. Isto reflete a educação e a cultura cada vez mais elevadas das massas soviéticas que, há apenas duas décadas atrás viviam no obscurantismo, na miséria e na completa ignorância.
Neste primeiro relato de impressões sobre Moscou, Sir Newsholme trata de uma última questão que julgo de grande importância: o tratamento de criminosos. Ele visita uma comuna de trabalho para reabilitação de prisioneiros chamada Bolshevo, a cerca de 50 quilômetros de Moscou. Ela foi construída para pessoas que cometeram pequenos crimes como roubo e incêndio culposo. Havia cerca de 2.200 pessoas vivendo nesta "prisão". O interessante é que as famílias dos criminosos vão para lá também e o local é como uma pequena vila. Tem escola, hospital, clínica, loja de cooperativas e apartamentos de habitação. Os criminosos trabalham na criação de artigos desportivos, além do plantio e da pecuária para abastecer as necessidades da comunidade. Esta comuna é auto-governada pelos prisioneiros, os quais foram escolhidos por um tal Comitê de Distribuição entre vários condenados em prisões comuns. E é interessante que ela pode ser deixada por livre espontânea vontade. Não há guardas para impedir isso.
O objetivo é reduzir ao máximo o encarceramento de criminosos. Além de torná-los mais produtivos. Até onde eu sei é um método utilizado apenas para crimes de pequena relevância. Crimes mais terríveis como assassinato e desvio de dinheiro público são normalmente punidos nos campos de trabalho de maior segurança. Locais onde os criminosos ajudam a produção agrícola ou a construção de ferrovias e vilas no interior da nação, entre outros trabalhos. É importante frisar que onde o trabalho é para todos, o problema é ficar sem trabalhar. Portanto a população em prisões comuns sempre foi pequena, já que lá as pessoas ficavam improdutivas, vivendo do trabalho alheio - coisa terrível para o socialismo.
Nos próximos post buscarei apresentar mais aspectos da vida soviética nos anos 30. Até lá.
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Lá e de volta outra vez
Ando meio sem tempo para fazer as traduções acerca das notícias das falsificações nos arquivos russos, aliás, por uma série de motivos fiquei sem tempo para postar qualquer coisa por aqui. Mas agora estou aqui e farei alguns comentários sobre acontecimentos recentes na Rússia. (Tudo pode ser acompanhado no blog que já citei aqui: mythcracker)
De Julho para cá, o parlamentar Viktor Ilyukhin trouxe mais publicidade ao caso das falsificações. Primeiro, indo a um programa de televisão mostrar alguns dos documentos forjados e responder à perguntas e dúvidas sobre o caso. Segundo, mandando uma carta, agora em setembro, para o primeiro-ministro Vladimir Putin informando os recentes acontecimentos ao líder russo e pedindo que alguma ação fosse tomada. Mas a publicação mais importante foi, sem dúvida, o artigo acerca dos 49 sinais de falsificação encontrados nos documentos. Neste artigo, apresenta-se análises aprofundadas de documentações da época soviética com suspeita de falsificação. Conclui-se o estudo apontando 49 sinais de falsificação, 49! Dentre eles erros grotescos como errar o nome do Partido e erros mais sutis, como diferenças entre as máquinas de escrever e os papéis utilizados.
Este é, sem dúvida, um dos mais importantes acontecimentos da história contemporânea. Um passo adiante em busca da verdade acerca da União Soviética, um passo adiante na tarefa de demolição de mitos propagandísticos e na construção de uma história soviética mais honesta. Tenho certeza que o século XXI será o berço de um novo entendimento acerca do movimento comunista internacional e da destruição dos paradigmas extremamente superficiais e preconceituosos que ainda reinam neste riquíssimo campo historiográfico.
De Julho para cá, o parlamentar Viktor Ilyukhin trouxe mais publicidade ao caso das falsificações. Primeiro, indo a um programa de televisão mostrar alguns dos documentos forjados e responder à perguntas e dúvidas sobre o caso. Segundo, mandando uma carta, agora em setembro, para o primeiro-ministro Vladimir Putin informando os recentes acontecimentos ao líder russo e pedindo que alguma ação fosse tomada. Mas a publicação mais importante foi, sem dúvida, o artigo acerca dos 49 sinais de falsificação encontrados nos documentos. Neste artigo, apresenta-se análises aprofundadas de documentações da época soviética com suspeita de falsificação. Conclui-se o estudo apontando 49 sinais de falsificação, 49! Dentre eles erros grotescos como errar o nome do Partido e erros mais sutis, como diferenças entre as máquinas de escrever e os papéis utilizados.
Este é, sem dúvida, um dos mais importantes acontecimentos da história contemporânea. Um passo adiante em busca da verdade acerca da União Soviética, um passo adiante na tarefa de demolição de mitos propagandísticos e na construção de uma história soviética mais honesta. Tenho certeza que o século XXI será o berço de um novo entendimento acerca do movimento comunista internacional e da destruição dos paradigmas extremamente superficiais e preconceituosos que ainda reinam neste riquíssimo campo historiográfico.
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