sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sobre o culto da personalidade e as suas conseqüências

"Fala-se do culto da personalidade de Stálin. E como pode criticar-se uma nação se ela possui um bom dirigente que conduz o seu povo a sucessos reais? Pode condenar-se o que é de louvar?"

Estas palavras foram ditas por um cidadão soviético anônimo, interrogado na rua em 1987. (KILEV, Mikhail. "Kruschev e a Desagregação da União Soviética", p. 11)

Bom, não vou nem me deter em como Kruschev impôs seu discurso "secreto" ao Partido, ferindo os velhos príncipios leninistas da democracia interna do Partido. Vou direto ao ponto. A tese do "culto" era a fase final do golpe revisionista, a última grande pancada que acabaria de eliminar qualquer influência dos marxistas-leninistas dentro do governo soviético. Ao transformar Stálin em um monstro, Kruschev não só acabou com o prestígio daqueles que apoiaram o "ditador", como também mudou drasticamente a história de seu país, deixando para as próximas gerações uma imagem deturpada da construção socialista da União Soviética, transformando uma época de conquistas em uma época de sofrimento e pobreza. O impacto disto foi tão grande, mas tão grande, que o movimento comunista internacional entrou em parafuso. Ao mesmo tempo que grandes homens como Mao Tsé-Tung e Enver Hoxha - e seus respectivos Partido Comunista da China e Partido do Trabalho Albanês - se levantaram em indignação contra Kruschev, uma legião de partidos mais crédulos rechaçou a imagem de Stálin e colocou-se ao lado do Primeiro Secretário soviético. No Brasil, por exemplo, o Partido Comunista rachou-se em dois: o PCB e o PCdoB.

A cisão foi gigantesca no cenário mundial. Um antes gigantesco e bem estruturado movimento internacional, transformou-se em uma confusão de partidos, cada qual achando que o seu caminho era o caminho verdadeiramente "leninista". Trotskistas, hoxhaístas, titoístas, maoístas, leninistas, revisionistas, etc. Todos estes grupos diziam-se defensores do verdadeiro socialismo e disputas internas atrás de disputas internas minaram qualquer poder que os comunistas um dia tiveram.

E como Kruschev conseguiu tudo isso? Bom, com a morte de Stálin os marxistas-leninistas perderam seu maior líder. E o pior, em uma situação extremamente desfavorável. Já que a nomenklatura detinha poderes gigantescos dentro dos aparatos do Partido e do Estado. O único freio ao poder dela, era a autoridade grandiosa de Stálin, que ao contrário do que muitos pensam nunca se deveu a algum dispositivo constitucional ou a um cargo recheado de poderes, muito pelo contrário. O cargo de Secretário Geral do Partido não era um cargo que lhe garantisse poderes executivos, não era nem o mais alto cargo do Partido. Ele só passou a deter poderes legalmente mesmo quando tornou-se Presidente do Conselho de Ministros, ou seja, chefe do Executivo ou Primeiro-Ministro. A autoridade que Stálin possuía devia-se a apenas suas próprias capacidades administrativas e políticas, além do apoio da imensa maioria da população soviética. Esta informação é muito importante para se entender o golpe, pois constitucionalmente falando, quem detinha o poder na União Soviética era a burocracia, a nomenklatura, e não Stálin.

Portanto, quando Stálin morreu, o único legado que ele deixou além de alguns velhos bolcheviques em altos cargos estatais e partidários - como Vyacheslav Molotov e Lazar Kaganovich -, foi Lavrentii Béria. O chefe do NKVD logo continuou a luta anti-burocrática de seu tão estimado camarada Stálin. Seu discurso no funeral do camarada de ferro foi bastante agressivo, e Béria parecia não ter vontade alguma de colocar em votação a Constituição anti-nomenklatura - como Stálin fizera em 1936 - se ele pudesse, enfiaria goela abaixo dos burocratas cada artigo. Só que o apoio político que ele possuía era escasso e logo, seu próprio NKVD o prendeu e o executou (na verdade este assunto é por demais obscuro, não se sabe se Béria foi realmente preso ou não, alguns acham que ele foi simplesmente assassinado a mando de Kruschev).

Com Béria morto também, não havia mais ninguém com poder o bastante para impedir o golpe. Daí em diante, Kruschev e seus camaradas foram libertando criminosos e colocando-os em altos cargos do Partido. Os veteranos restantes dentro do Partido se transformaram em coadjuvantes, sem apoio, sem nada, eram minoria e nada podiam fazer frente a agressividade de Kruschev. Enfim, com uma base de apoio sólida dentro do Partido, Nikita sentiu-se forte o bastante para desferir o golpe final: o discurso "Sobre o culto da personalidade e as suas conseqüências". Nele, Kruschev argumenta que Stálin era um tirano que acabou com a verdadeira "democracia leninista", concentrando todos os poderes em suas mãos e manipulando o povo através da grandiosa propaganda em volta de sua pessoa. Stálin, nas palavras de Kruschev, era um homem sedento por poder e glória, que acabou escravizando o povo soviético em prol de seus desejos pessoais. E, claro, Kruschev era o salvador da Mãe Rússia, o paladino da justiça, o mais glorioso defensor do legado de Lênin. Bom, vou apenas lhes citar algumas frases ditas acerca de Stálin e vocês tirem suas próprias conclusões.

"Stálin não busca honrarias. Ele abomina a pompa. Ele é avesso a exposições públicas. Ele poderia ter todas as regalias no comando de um grande Estado. Mas ele prefere manter-se em segundo plano." (J. D. Levine: 'Stalin: A Biography'; London; 1931; p. 248-49)

"Em seus discursos e escritos, Stálin sempre se colocou em segundo plano, falando só do comunismo, do poder Soviético e do Partido, e sublinhando que ele era apenas uma representação dos ideais e da organização, e nada mais... Eu nunca percebi nenhum sinal de vanglória em Stálin." (A. Tuominen: 'The Bells of the Kremlin'; Hanover (New Hampshire, USA); 1983; p. 155, 163)

"Devo dizer em sã consciência, camaradas, que eu não mereço metade destes elogios que têm sido ditos aqui sobre mim. Ao que parece, sou o Herói da Revolução de Outubro, o líder do Partido Comunista da União Soviética, o guerreiro lendário, entre outras coisas. Isto é absurdo, camaradas, e um exageiro desnecessário. É o tipo de coisa que normalmente é dita na tumba de revolucionários falecidos. Mas eu não tenho intenção de morrer ainda. Eu realmente era, e ainda sou, um dos pupilos dos trabalhadores das oficinas da ferrovia de Tiflis." (J. V. Stalin: 'Works’, Volume 8; Moscow; 1954; p. 182)

"Você fala de sua devoção a mim... Eu lhe aconselho a descartar o 'príncipio' de devoção a pessoas. Esta não é a maneira Bolchevique. Seja devoto da classe trabalhadora, seu Partido e seu Estado. Isto é uma coisa boa e útil. Mas não a confunda com a devoção a pessoas, esta vã e inútil bobagem de intelectuais de mente pequena." (J. V. Stalin: 'Works', ibid.; p. 218)

"Robins fala para Stálin: O que é mais interessante para mim é que por toda a Rússia eu encontro os nomes Lênin-Stálin, Lênin-Stálin, Lênin-Stálin, interligados. Stálin para Robins: Isto também é exagerado. Como posso ser comparado a Lênin?" (J. V. Stalin: ibid.; p. 267)

"Eu sou absolutamente contrário à publicação de 'Histórias da Infância de Stálin'. Neste livro há uma abundância de fatos inexatos, de alterações, de exageros e de louvor não merecido. Mas... O que realmente importa é que este livro tem a tendência de esculpir na mente das crianças soviéticas (e pessoas em geral) o culto à personalidade de líderes, de heróis infalíveis (grifo meu). Isto é perigoso e prejudicial. A teoria dos 'hérois" e da "platéia" não é Bolchevique, mas Social-Revolucionária (i.e. Anarquista). Eu sugiro que se queime este livro." (J. V. Stalin: ibid.; p. 327)

E por fim, um brinde irônico proposto por Stálin na festa de Ano Novo de 1935: "Camaradas! Quero propor um brinde para o nosso patriarca, vida e sol, libertador de nações, arquiteto do socialismo (ele falou de todos os adjetivos aplicados a ele naquela época), Josef Vissarionovich Stálin, e eu espero que este seja o primeiro e último discurso feito para este gênio nesta noite." (A. Tuominen: op. cit.; p. 162)

As fontes que apontam para um Stálin humilde e tremendamente irritado com toda a bajulação à sua volta são intermináveis. Desde seus piores opositores aos mais próximos companheiros, todos são unânimes em dizer que ele não era vaidoso ou sedento por poder, que sua vida girava em volta de seu trabalho e de sua luta pelo socialismo. Ele trabalhava em média de 14 a 16 horas por dia! Que tipo de ditador é este?

A teoria do "culto" é simplesmente insustentável à luz das evidências. Na verdade Kruschev e seus comparasas burocratas é que desenvolveram o culto à Stálin, a interpretação do porque disto é de cada um. Acredito que o plano da tomada de poder fora arquitetado décadas antes de ser posto em prática, afinal foi tudo perfeito demais para ter sido obra do simples acaso, ou de um plano em cima da hora. Criou-se o culto para depois lançá-lo como "evidência" do "terror stalinista". Além disso, ao se personalizar o sistema em torno de um homem só, fica mais fácil de atacá-lo e evita o constrangimento de atacar o sistema em si - o que seria impraticável.

Concluo com as belíssimas palavras de Kruschev ditas no XIX Congresso do PCUS, em Fevereiro de 1952:

"O Partido Comunista abriu o seu XIX Congresso mais do que nunca solidário, unitário e poderoso, estreitamente reunido em torno do Comitê Central e do seu genial dirigente, o camarada Stálin (...) As nossas vitórias e as nossas realizações são devidas à justa política do Partido Comunista, à direção esclarecida do Comitê Central leninista-stalinista, ao nosso chefe e amado educador, camarada Stálin. (...) Os sucessos conseguidos pelo nosso país foram alcançados graças ao Partido, que prosseguiu um vasto trabalho de organização de massas para levar à prática as geniais indicações de Josef Stálin." (KILEV, Mikhail. "Kruschev e a Desagregação da União Soviética", p. 11)

Um comentário:

  1. Quanta lorota, basta olhar as imagens das multidões nas praças vermelhas com os retratos patéticos de Stálin para saber que o articulista faz uma tremenda masturbação retórica para mistificar a verdade histórica que até um guri de 8 anos pode identificar.

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